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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

AUTISMO

Para a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, ''os autistas podem nos tornar pessoas melhores''

Fascinada pelo funcionamento da mente humana, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva mergulha no universo silencioso dos autistas e constata que eles têm muito a nos ensinar

Sibelle Pedral em 10.07.2013
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"Eles me ensinaram a tolerância, a empatia. A gente os acha diferentes, mas os diferentes somos nós. Eles nascem assim."
 (
Foto: Andrea Marques
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Não adianta ligar para marcar consulta: Ana Beatriz Barbosa Silva não tem mais horário. Segue atendendo pacientes antigos, mas não abre agenda para novos. Quer mais tempo para escrever livros de divulgação científica, categoria em que é campeã de vendas no país, com pelo menos 800 mil exemplares vendidos, segundo sua editora, a Objetiva. A psiquiatra carioca de 47 anos já se debruçou sobre a mente dos psicopatas, a angústia dos ansiosos e o inferno do bullying; seu novo trabalho desvenda as engrenagens do universo autista. O autismo é um transtorno de desenvolvimento marcado pela dificuldade de socialização e de linguagem e por comportamentos ritualizados e repetitivos. Calcula-se que uma em cada 166 pessoas tenha algum grau de autismo – do mais leve, ou traço, ao mais grave, ou clássico. “É muita gente, e muitos nem desconfiam. São rotulados de ermitões, mas poderiam viver melhor se tivessem tratamento”, conta ela. A doutora vê com simpatia o universo autista. “Nada que eu faça vai ajudar um psicopata a sentir afeto. O autista, não. Ele apenas não consegue entender como você pensa, por que chora. Mas pode aprender.” Escrito a seis mãos com a psicóloga Mayra Bonifácio Gaiato e o psiquiatra Leandro Garcia Lopes, Mundo Singular, Entenda o Autismosegue a fórmula de sucesso das obras anteriores de Ana Beatriz: informações de fácil digestão e um punhado de histórias tocantes de pacientes. Ela recebeu CLAUDIA em seu apartamento no bairro da Gávea para uma conversa que encherá de esperança o coração dos pais de autistas.
Há um aumento no número de casos de autismo? Por que resolveu abordar isso?
Não. O que houve foi um aumento na quantidade de diagnósticos. Quando eu me formei, há 23 anos, ninguém falava disso. Chamavam autismo de psicose infantil, referindo-se àquela criança ensimesmada, meio agressiva. O diagnóstico começou a ser arredondado nos anos 1980, e só nos anos 1990 chegou-se a um consenso sobre os sintomas desse transtorno. Por outro lado, constatei que não existia nenhum livro científico de divulgação sobre o autismo. Existem muitos relatos de mães de autistas, contando o que foram fazendo intuitivamente, mas nada que sintetize a experiência do trabalho nessa área.

Você escreve sobre os autistas com enorme simpatia. De onde vem esse sentimento?
Eu aprendi muito com os autistas. Eles me ensinaram a tolerância, a empatia. A gente os acha diferentes, mas os diferentes somos nós. Eles nascem assim. Por sua dificuldade de socialização, são estrangeiros em qualquer lugar. Nós, não: estamos num mundo que funciona com os nossos valores, as nossas emoções. Eles nasceram dotados de um pensamento bastante lógico, com pouca necessidade de convívio com o outro, mas com curiosidade sobre ele. O mundo interno do autista é maior e mais tranquilo do que o externo. Somos cruéis porque queremos que sejam como nós, mas quem está o tempo todo querendo nos agradar são eles. Os autistas têm fascínio pelo nosso mundo.

Mas eles conseguem sair do mundo deles e ficar à vontade no nosso?
Depende de muita coisa. A começar pelo grau de autismo – o transtorno tem um espectro amplo, que vai desde a forma clássica, muitas vezes com retardo mental, até aquela pessoa com traços de autismo, mas que passa a vida inteira sem se dar conta disso. Quando estimulados da maneira certa, muitos deles conseguem. Tenho um paciente com autismo grave que é a prova disso. Acompanho Antonio, hoje com 16 anos, desde os 9. As previsões eram péssimas: diziam que não iria falar, que não cresceria. Levei uns dois anos para ele me dar um abraço – os autistas em geral não toleram contato físico. Outro dia, ele me perguntou como se beija. Estava interessado numa garota. Peguei uma almofada, fiz um teatrinho; falei para aproximar o rosto dele do da menina, tombar a cabeça para “encaixar”... Treinamos várias vezes. Quando ele voltou ao consultório, perguntei como tinha sido, e ele respondeu: “Olha, eu prefiro videogame. Mas acho que não fui mal porque ela não me empurrou. Foi diferente, mas eu vou me acostumar. Eu vou gostar”. Foi lindo acompanhar esse processo.

Quais os tratamentos mais eficazes para ajudar o autista a fazer essa travessia?
Até os anos 1960, essas crianças eram treinadas para aprender alguns comportamentos: tomar banho, ir ao banheiro sozinhas... Aí, com a explosão da psicanálise, tudo o que era treinamento foi descartado, estigmatizado como pavloviano, adestramento. O importante para a psicanálise era descobrir o que motivava certas atitudes para que a criança mudasse de dentro para fora. Mas tudo o que o autista precisa é de treinamento, porque, sabe-se hoje, o cérebro tem plasticidade: em se malhando, ele se desenvolve. Quando ensinamos uma criança autista a se cuidar, damos a ela a oportunidade de levar uma vida mais digna. O tratamento psicoterápico, com técnicas de modificação do comportamento, tem bons resultados.

O que causa o autismo?
O que se sabe hoje é que existe um forte componente genético, mas ainda restam muitas perguntas sem resposta. Houve um tempo em que se dizia que a culpa era da mãe: a criança “ficava” autista por causa da frieza dela, da falta de carinho. Mais tarde, inventou-se que a vacinação causava o autismo, por causa de um conservante presente em algumas vacinas. Muita gente parou de vacinar os filhos, o que é uma irresponsabilidade. Aí, sim, corre-se o risco do autismo secundário: a criança nasce saudável, mas tem uma encefalite porque não se preveniu contra sarampo ou catapora; a doença evolui e compromete as conexões entre os neurônios, desencadeando sintomas autistas. A testosterona na gravidez também tem trazido novos elementos para a discussão das causas possíveis. A entrada das mulheres no mercado de trabalho desencadeou situações de enfrentamento, de grande competitividade. Nesse cenário, aumenta a quantidade de testosterona circulando no organismo. Muito tem se falado em como isso pode desencadear doenças, inclusive o autismo. Mas eu ainda acredito no fator genético.

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