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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

COMEÇANDO DO INÍCIO

Em pleno séc XXI, não é raro encontrar na mídia, na literatura leiga e na internet comentários e opiniões sobre a inexistência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).
Diz-se que é uma forma de medicalização de comportamentos "culturalmente inaceitáveis", uma invenção da indústria famacêutica para vender remédios.

Sem nenhuma evidência científica, tais afirmações são tomadas como verdades e atingem não só o público leigo como também profissionais que direta ou indiretamente lidam com possíveis pacientes.

Essa visão sociológica e mesmo anticientífica do TDAH se contrapõe à longa história do conceito. Mesmo não sendo denominado dessa forma, muitas referências a pessoas que hoje seriam consideradas portadora de TDAH podem ser encontradas em textos médicos e literários.

ALGUMAS DESCRIÇÕES DO TDAH ANTES DO SÉCULO XX

Muito antes do trabalho de Still, publicado em 1902, que descrevia crianças com o qudro denominado hoje TDAH, diversos autores fizeram referência a pessoas com comportamento desatento e agitado.

O dramaturgo Jean François Regnard (1655-1709), em sua comédia O distraído, 1697, caracterizou o personagem Léandre como "Monsieur le distrait", "homem sábio e distrído", "este sonhador, este homem tão distraído", que frequentemente está "mergulhado em seus devaneios", sendo preciso chamar sua atenção durante as conversas.

O médico Alexander Crichton (1763-1856) descreve em seu livro An Inquiry Into the Nature and Origin of Mental Derangement (volume I, 1798) um estado mental de "incapacidade de prestar atenção com o grau necessário de constância a qualquer objeto". O autor chama atenção para as dificuldades escolares dos portadores de tal condição e para a necessidade de que os professores estejam preparados para lidar com essas crianças (Palmer; Finger, 2001).

Fiodor Dostoiévski (1821-1881), em seu romance Niétotchka Niezvânova de 1849, assim descreve uma criança:
(...) mas a menina travessa mal vinha passar ali alguns instantes; não conseguia parar quieta. Movimentar-se continuamente, correr, pular, fazer barulho por toda a casa, era para ela uma necessidade imperiosa. Por esse motivo, declarou-me, já no primeiro dia, que se aborrecia horrivelmente de ficar sentada comigo (...) Dostoiévski, 2002, p 100)

Mais adiante ele retoma: "Não lhe ensinavam muitas coisas, pois mal conseguiam que ela acedesse a ficar sentada com um livro durante duas horas..." Dostoiévski, 2002, p. 106.

O médico Heinrich Hoffmann (1809-1894) publicou em 1845 o livro ilustrado para criança Der Struwwelpeter, com pequenas histórias em versos. Dois personagens chamam a atenção: Zappel Philipp (Felipe irrequieto), um menino que não consegue ficar parado à mesa durante uma refeição e acaba derrubando tudo, e Hans Guck-in-die Luft (João olha-para-o-ar), um menino que não presta atenção por onde anda, pois está sempre olhando para as nuvens, tropeça e cai frequentemente, chegando a cair dentro de um rio. Em que pese o viéis moralista do texto, os personagens são característicos portadores de TDAH, respectivamente do tipo predominantemente hiperativo-impulsivo e do tipo predominantemente desatento.

Do livro: TDAH ao longo da vida de Mario Rodrigues Louzã Neto e colaboradores - Artmed

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