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quinta-feira, 2 de junho de 2011

TDAH e Transtorno do uso de substância


TDAH e Transtorno do uso de substância

Qui, 10 de Fevereiro de 2011 01:32 Escrito por  ABDA

O TDAH inicialmente era visto como um transtorno característico de crianças, em especial meninos e cujo desaparecimento dos sintomas acorreria no início da vida adulta. Porém, os estudos desenvolvidos na última década mostraram que o TDAH trata-se de uma síndrome que acomete tanto meninos quanto meninas e em muitos casos estende-se para a vida adulta (Brown, 2000). A crença desta remissão na vida adulta pode ser explicada pelo desenvolvimento por parte do paciente de uma série de estratégias que permitiriam a ele reduzir os prejuízos dos sintomas. Porém, uma análise mais profunda revela enumeras dificuldades sociais, familiares e instabilidade em vários domínios na vida destes indivíduos. Outra possível explicação para esta crença seria a dificuldade por parte dos portadores de TDAH em reconhecer seus próprios sintomas.

Os recentes estudos permitiram uma melhor compreensão não só acerca dos critérios para o diagnóstico do TDAH, mas um novo paradigma com relação ao curso e impacto dele na vida dos pacientes e das pessoas que o cercam. O TDAH não é um transtorno que acomete o paciente apenas cognitivamente, mas também envolve muitos aspectos comportamentais e afetivos/emocionais. Pacientes com TDAH costumam ter inúmeros problemas de baixa auto-estima, ter baixo desempenho acadêmico, dificuldades sociais, familiares e financeiras. Assim, o diagnóstico e tratamento precoce não visariam apenas o controle dos sintomas, mas principalmente evitar o impacto deles na vida do paciente.

Embora vários críticos aleguem haver um hiper-diagnóstico e uma hiper-medicação, os estudos recentes revelam o contrário, haveria uma grande dificuldade por parte dos profissionais em conhecerem e reconhecerem o TDAH, além de uma grande resistência ao uso de medicação. (Brown, 2000).
(1) Mestre em Psicologia pela UFRJ.

(2) Livre-Docente e Prof. Adjunto de Psiquiatria da UERJ. Diretor da ABRAD (Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas)

A prevalência do TDAH segundo o DSM IV é de 5 à 13% em crianças em idade escolar, embora haja uma grande discordância entre os autores. O TDAH é considerado uma síndrome associada a uma vulnerabilidade genética em interação com o meio-ambiente. (Golfeto et al, 2003).

Outro aspecto atualmente muito estudado e extremamente importante de ser levado em consideração ao se estudar o TDAH diz respeito a grande incidência de co-morbidades encontradas no TDAH. As principais co-morbidades encontrados com o TDAH são: comportamentos disruptivos- transtorno opositivo-desafiador e Transtorno da conduta (35 à 65%); depressão (15 à 20%); transtornos de ansiedade (25%); transtorno de aprendizagem (10-25%) e abuso de drogas (9-40%).(Brown, 2000) Tal incidência de co-morbidade aponta para a importância do estudo e do tratamento do TDAH.

A co-morbidade mais comum encontrada no TDAH são problemas relacionados com comportamento disruptivo, agressividade e delinqüência. A alta prevalência de transtorno opositivo-desafiador (TOD) e transtorno da conduta (TC) faz com que o tema mereça uma análise mais profunda. Embora o TOD e o TC sejam classificados separadamente, estes costumam ser vistos com progressão um do outro. Questiona-se, ainda, devido a esta prevalência se o TDAH, TOD e TC não seriam diferentes condições psiquiátricas ou aspectos diferenciados do mesmo fenômeno (Newcorn et al, 2000).

Em estudo recente (Swensen et al) encontrou-se a seguinte prevalência de problemas psiquiátricos em pacientes com TDAH comparado com grupo controle: 18 vs 4% de depressão; 6 vs 1% transtornos da infância, 6 vs 2% de transtorno de ajustamento, 6 vs 1% de TOD; 5 vs 0% de psicose, 4 vs 1% de TC, 2 vs 1% de abuso de substância e 1 vs 1% de ansiedade. O mesmo estudo estendeu-se aos pais de pacientes com TDAH e pais controles: 9 vs 4% de depressão, 1 vs 0% de transtorno da infância; 4 vs 2% de de outros transtornos mentais; 2 vs 1% de transtorno de ajustamento; 0 vs 0% de TOD; 1 vs 1% de psicose; 0 vs 0% de TC; 2 vs 1% de abuso de substancia e 1vs 1% de ansiedade. No mesmo estudo constatou-se que os pacientes teriam maior índice de envolvimento em acidentes e recorreriam 2.6 vezes mais a cuidados médicos (principalmente devido a abuso de substância, acidentes automobilísticos, ingestão de veneno e fraturas. Assim, pode-se perceber não só os prejuízos dos sintomas do TDAH, mas também condições secundárias importantes e o impacto nos demais membros da família.

A incidência do transtorno do uso de substância (TUS) vem atualmente destacando-se como preocupação em pacientes com TDAH, porém o tema é ainda muito controverso. Existem duas vertentes no que diz respeito ao uso de substancia em pacientes com TDAH: alguns autores acreditam que o uso de substância estaria diretamente relacionado com o TDAH, porém estudos mais recentes apontam para uma relação indireta, ou seja, o TUS estaria relacionado com o TC e seria apenas agravado pelo TDAH, como veremos a seguir.

Segundo Wilens et al (2000), 6 à 9% das crianças e adolescentes com TDAH teriam também TUS (incluindo abuso de álcool e drogas e dependência) e adultos 10 à 30%. O autor aponta a redução de julgamento, agressividade e a impulsividade como fatores de alto-risco para o envolvimento com drogas, que poderia ser ainda uma forma de auto-medicação. Biederman et al (1995) encontraram um índice de 52% de TUS em pacientes com TDAH versus 27% no grupo controle. Por outro lado, 60% dos pacientes com TC possuem altos índices de abuso de substância, incluindo álcool, maconha e outros (Pliszka et al, 2000).

O TUS também costuma ser visto como associado ao TDAH devido a desmoralização que ocorre com os pacientes (Wilens et al 2000) ou devido a alianças sociais com as quais esses indivíduos acabam se relacionando (Marshal et al, 2003).

Flory et al, 2003 defendem que o TDAH (independentemente do co-morbidade) estaria associado ao TUS e que quanto maior os sintomas de TDAH, maior o nível de TUS. Da mesma forma, os pacientes com TDAH medicados teriam menos incidência de TUS (Wilens et al 2000 e Biederman, 2003).A incidência de pacientes que preenchem os critérios para TDAH entre os pacientes que procuram tratamento para TUS é de 50% (Levin et al, 1995 e Honer et al, 1997). Schubiner et al (2000) encontraram em pacientes com TUS uma prevalência de 28% em homens e 19% em mulheres e 1/3 dos pacientes com TDAH também preenchiam critério para TC.

Por outro lado, muitos autores defendem que o TUS estaria associado ao TC e transtorno do humor (Rohde et all, 1996; Chicoat et al, 1999; Whitmore et al, 1997; e Brook et al, 1998) Assim, a associação com o TDAH daria-se de maneira indireta.

Porém, os principais estudos apontam para o fato do TDAH afetar drasticamente o curso do TUS. Pacientes com TDAH teriam um início mais precoce do uso das drogas, um curso mais rápido e menos resposta ao tratamento (Wileners et al, 1998; Chilcoat et al Breslau, 1999; Biederman et al, 1997; e Horner et al, 1997). Este início precoce ocorreria independentemente de co-morbidade (Wilens et al, 1997), haveria o uso de substancias mais pesadas (Horner et al, 1997) e contribuiria para a gravidade e persistência dos sintomas (Riggs et al, 1996).

Os estudos apontam ainda para uma diferença de gênero, as mulheres com TDAH correriam mais riscos de desenvolverem TUS do que os homens (Disney et al 1999; Biederman et al, 2002) e estaria mais associado com a ansiedade (Rohde et al, 1996) enquanto que nos homens estaria mais associado ao TC (Milberger et al, 1997). O uso de tabaco estaria da mesma forma associado principalmente com o TC, porém os pacientes com TDAH teriam um início mais precoce, com mais freqüência tornariam-se dependentes e em um período mais curto e teriam mais dificuldade em deixar a dependência e com mais freqüência passariam a utilizar outras drogas (Milberger et al, 1997; Dierker et al, 2001; e Farone et all, 1997).

Andréa et all (2003) demonstra um alto índice de uso de substância também entre os pais de pacientes com TDAH e TUS, principalmente dependência de estimulantes e cocaína nas mães e problemas de álcool nos pais. Tal resultado poderia ser explicado em parte pelo fato do TDAH ter um forte componente genético e, portanto, grande probabilidade de um dos pais também terem a doença. Outra possibilidade é que uso de drogas/álcool durante a gravidez facilite o surgimento de crianças com TDAH.

O que todos os estudos demonstram é a importância de mais pesquisas a respeito do assunto e o tratamento precoce tanto do TUS em pacientes com TDAH, quanto do TDAH em pacientes com TUS. A própria melhoria dos sintomas de TDAH levaria a uma melhoria do TUS e a prevenção do uso de substância levaria menos pacientes com TDAH a desenvolver o TUS (Milberger et al, 1997; Levin e Kleber, 1995; e Rigs, 1996). A associação do TC com o TDAH produziria o mais alto índice dentro dos transtornos psiquiátricos para o desenvolvimento do TUS (Flory et al, 2003).

Levin et all (1998) destaca a prioridade de se diagnosticar os pacientes com TDAH uma vez que o diagnóstico e tratamento precoce ajudariam não só a diminuir o número de caso de pacientes com TUS, quanto a melhoria do curso e tratamento do TUS. É importante que os profissionais que trabalham com pacientes com TUS tenham em mente a possibilidade do duplo diagnóstico para que os pacientes TUS + TDAH possam se beneficiar de uma melhor condução do seu caso.

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Luciana Mello e Osvaldo Saide

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