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quinta-feira, 2 de junho de 2011

UM CAMINHO TDAH

Antes de entendermos a condição do déficit de atenção, por total desconhecimento de causa, eu e meu ex-marido chegamos a exaustão das tentativas de entender que tipo de ser tínhamos colocado no mundo.

Ficávamos muitas vezes sem saber o que fazer e em vários momentos o desespero tomou conta de cada um de nós. Um deserto!

Até chegar ao diagnóstico correto passamos por maus momentos que desestabilizaram a vida familiar e com certeza comprometeu o desenvolvimento de nosso filho.

Os primeiros sinais de que algo realmente era diferente veio da escola.

Entretanto eu já tinha reparado que meu filhote era um bebê inquieto, não dormia muito, falava demais, pulava ao invés de andar, brincava com várias coisas ao mesmo tempo e tinha uma imaginação deliciosamente fértil.  Seus desenhos sempre tinham algo surpreendente e era uma criança super risonha e carinhosa.

Ao sair da creche onde eu era coordenadora e ingressar numa escola muito maior em tamanho, turmas e com regras mais rígidas a serem cumpridas, os sinais tomaram força maior.

Fiquei duas semanas a manhã inteira na porta da escola porque ele não se adaptava. Após essas duas semanas fui liberada por ele mesmo e passei a ser chamada na escola semanalmente para ouvir que ele falava demais, não participava das rodinhas das novidades, que liderava amigos para não cumprirem os pedidos da professora, um líder negativo segundo a professora e que falava demais atrapalhando o andamento da turma.

Entretanto sempre que era interrogado sobre qual era o assunto do momento ele respondia o que realmente estava acontecendo. Ou seja, ele não estava desligado do momento, mas a impressão que dava era de que o momento não o interessava, por isso voava.

Então depois de ir muito ao colégio na época do Jardim de Infância a Coordenadora Pedagógica com muito tato sinalizou que eu deveria procurar um atendimento  psicológico e me deu um encaminhamento.

Procuramos uma Psicóloga que após alguns encontros com o ele nos disse que ele era uma criança normal e que apenas  tinha um QI avançado para a idade e que ele estava pedagogicamente adiantado, o que causava o desinteresse pelo que estava sendo dado em sala de aula,  mas nos alertou para não avançá-lo de nível no colégio porque emocionalmente ele estava compatível com a idade e não seria bom colocá-lo em turmas mais amadurecida emocionalmente.

Sai do consultório dessa Psicóloga acreditando que meu filhote era apenas mais inteligente que a faixa etária dele. Então me baseei nesse diagnóstico e tranquilamente assisti durante toda a sua vida (até os 17 anos) dispersão nas atividades escolares, as brincadeiras diversas sem foco e nos inícios de atividades sem términos.

Determinamos, eu e meu ex-marido, que todo ano ele iniciaria algum esporte e só sairia no final do ano caso quisesse, numa tentativa de parar com as histórias que se repetiam de iniciar um projeto e não dava um mês ele já queria sair.

Como ele ficava no horário integral no colégio fazia os deveres de casa lá. À noite, quando eu ou meu ex-marido íamos ver suas atividades encontrava deveres começados e não terminados. Ao ser questionado porque não tinha feito o dever à resposta era: não sei, não lembro.

Vezes sem fim, ligava para os amigos para saber qual era o dever de casa (na sexta-feira) porque não tinha copiado ou tinha iniciado a questão e não terminado. Ele dizia que a tia apagava o quadro rápido. Errava questões nas provas porque lia só o início da questão e respondia por isso errado. Mas sempre que eu pedia a resposta em casa ele acertava. Sempre que estudávamos juntos ele respondia tudo me deixando certa de que a nota seria excelente.
E quando vinham os resultados ruins ele dizia: “me deu um branco, sei lá”.

Uma vez eu estava lendo para ele a matéria de história e de repente ele deixou cair o carrinho que estava na mão dele no chão. Ele abaixou a cabeça e pegou o carrinho, mas não retornou para a mesa. Eu parei de ler, contei cinco minutos no relógio, que foi o tempo que ele ficou com a mão e a cabeça para baixo brincando com o carrinho, e quando retornou olhou para mim e disse: “Mãe porque você parou de ler?” Eu perguntei a ele se sabia o tempo que ele ficou brincando com o carrinho daquele jeito. Sua resposta foi tranqüila: não sei, mas eu estava prestando atenção no que você estava lendo, porque você parou?

Das cem mil vezes que fui chamada ao colégio uma foi relativamente engraçada: A professora havia tirado a prova dele e mandou um bilhetinho para casa porque precisava conversar comigo. A questão da prova era: Descreva a figura acima. Era a figura de um circo e ele a estava descrevendo quando a professora passou ao lado e notou que ele estava escrevendo sobre um malabarista. A professora numa tentativa de ajudá-lo disse para ele que não havia malabarista na figura e que ele deveria apagar o que estava escrevendo. Ele se revoltou – sempre foi estouradinho, impulsivo – olhou para a professora e pediu para ela não encher o saco dele. Pronto foi o bastante para ter sua prova retirada pela professora e eu ir parar na escola. Na conversa com a professora ela foi clara em dizer – aliás todas diziam a mesma coisa – que ele era uma criança muito inteligente, carinhosa, colaboradora, mas falava demais e tinha problemas em seguir algumas regras e me explicou porque havia retirado a prova dele: pela resposta grosseira dele para com ela e a insistência dele continuar escrevendo sobre o malabarista inexistente.

Cheguei a casa e fui questioná-lo do porque tinha respondido a tia daquela forma já que ela estava querendo ajudá-lo alertando-o do erro que ele estava cometendo e que geraria uma nota baixa.

Confesso que a resposta dele gerou em mim uma vontade de ri e de abraçá-lo pela genialidade, mas estava ali no papel de mãe e esse papel é repressor muitas das vezes – eu precisava ensiná-lo a respeitar as regras. Enfim, a resposta dele foi simplesmente: Mãe, o malabarista estava atrás das cortinas se aquecendo para entrar.

Realmente alguns episódios me deixavam sem saber o que dizer, fazer  ou pensar. Achava estranho, mas não tinha noção do que isso representava, até porque eu também me dispersava e o pai dele sempre foi muito esquecido.

E aos poucos meu filho foi entristecendo, se fechando, parando de falar o que pensava e “aceitando” nossas imposições grosseiras porque nos amava e não tinha a intenção de nos decepcionar. Embaixo de críticas minhas, do pai, dos professores, amigos e família. “Você não quer nada com a hora do basquete”; “Como você não valoriza nossa esforço de lhe dar o melhor?”“Você é um vagabundo”, “Sua única função é estudar e nem isso faz!””Está sem computador, não vai sair esse final de semana, será que você não enxerga que do seu jeito não está dando certo, que você tem que fazer como eu estou dizendo?”“Senta ai e só sai quando souber tudo de cor”. “Tu tá de sacanagem comigo que passou o dia inteiro em casa e não estudou?” ”O que você fez durante o dia!!!!” e muitas vezes em baixo de gritos e a desarmonia começou a piorar quando ele entrou na adolescência e um dia aos 13 anos já super calado, sem sorrir ele me pediu para levá-lo a uma Psicóloga, porque ele estava esquisito e tinha nas mãos um cartão da Psicóloga que a amiga estava indo.

Nessa época ele já não freqüentava o integral no colégio e passava a tarde inteira, sozinho em casa ligando para mim o tempo inteiro sempre para contar alguma coisa, dizer que me amava e sendo despachado rapidamente por mim devido as minhas obrigações profissionais. Até hoje ele diz que nesse período a sua parceira de vida foi a nossa cachorrinha.

O clima familiar foi ficando intragável, nem eu nem o pai sabíamos mais o que fazer, qual resposta dar para essa inconstância, essa descontinuidade, me sentia culpada, queria saber o que era isso, o que aconteceu de errado na criação que demos à ele, seríamos muito rígidos na educação dele? Para mim era como estar falhando feio e não saber como acertar.

Eu e meu ex-marido discutimos várias vezes por causa dos problemas com nosso filho. Ele achava que eu não dava limites à ele, que passava a mão na cabeça muitas vezes e que me igualava não parecendo mãe e sim amiguinha dele. No fundo ele era meu espelho.

Marcamos então um horário com essa nova Psicóloga e não vimos muita firmeza nela, aliás quem sinalizou isso foi meu ex-marido, ele achou a coisa muito vaga e sem prazo determinado para terminar as sessões de terapia, achou que estava sendo enrolado que todo mundo tinha sido um dia preguiçoso, que teve momentos de viver no mundo-da-lua, mas que isso é fase da vida e que nosso filho não tinha nada de errado que justificasse uma psicoterapia, mas eu não pensava assim, não sabia o que pensar, mas no fundo não pensava como ele.

Um dia assistindo ao programa Sem Censura ouvi Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva falar sobre deficiência de atenção. Assim que terminou o programa fui ao shopping e comprei o livro citado no programa, li-o em horas e ali me diagnostiquei e diagnostiquei meu filho TDAH.

Conversei com meu ex-marido e o convenci de irmos ao Núcleo especializado em TDAH citado no livro. Ele como eu estava navegando a ermo, íamos para onde pudesse haver esperança de alguma luz, numa atitude desesperada de quem não sabe a quem, ou a que, recorrer. Nessa época ele tinha 17 anos e eu 44, o ano era 2004, o mês junho e o dia 18.
Eu estava cursando minha faculdade, me transferindo para outra cidade para terminá-la e ele estava terminando o segundo grau depois de ter repetido o ano escolar anterior e ter feito prova de nivelamento para em outro colégio poder cursar o ano sem perder. Passei minhas férias de dez 2003 estudando diariamente com ele.

Eu já cheguei certa de que éramos TDAH, eu e meu filho e respondemos a um questionário extenso e no final o médico nos informou que os três tinham a deficiência de atenção.

Meu ex-marido não ficou satisfeito, achou que o teste era simplista demais para diagnosticar algo na mente. Foi categórico em dizer que ele não tinha esse déficit e não aceitou muito a idéia da medicação para ajudar no aprendizado do focar para o nosso filho, mas nunca negou comprá-los e pagar o que fosse necessário, acreditando que a cura acontecesse.

A partir daí nós passamos a caminhar em universos paralelos e o tempo cumpriu sua meta de deixarmos em universos de idéias e atitudes muito diferentes. A partir daí viramos opositores.

Para mim foi uma vitória saber o que se passava comigo desde criança e que eu nunca entendia, sempre me senti diferente da regra vigente. Fiquei feliz por diagnosticar meu filho muito mais cedo do que eu. Mas eu não soube segurar a peteca e junto com o turbilhão que minha vida já estava devido à loucura de finalizar uma faculdade deixei meu filho sem maturidade para  sozinho entender e aceitar esse novo cenário dando à ele apenas o suporte terapêutico que ele precisava – terapia em grupo – e medicação.

Errei feio com ele, comigo, com meu ex-marido! Errei por ignorância, por ao ter o diagnóstico não entender que precisávamos de tempo para aceitar a condição (os três). Sai teorizando, achando que tinha chegado ao final da busca e na realidade tudo ainda estava por começar.

Minha cabeça pirou e as pessoas mais próximas sentiram o efeito tsuname de minhas posturas, colocações, atitudes e palavras.
Passei por momentos sombrios, talvez desnecessários, não sei. Ainda não sabia conviver com a condição de ser uma TDAH muito menos com a de ser mãe de um, afinal não adianta dar o remédio se ele encontra o mesmo ambiente familiar que não é adequado ao seu tipo de comportamento e ainda tendo que lidar com a negação do meu ex-marido de aceitar, ou seja, de nos aceitar tendo essa deficiência. Ele comprava os remédios, pagava as consultas, a terapia, mas não sabia lidar com a situação ao nosso lado.

A culpa em mim foi presença constante, pois me lembrava das coisas horríveis que falei a meu filho, de como eu contribui para sua mudança de atitudes e sua baixa auto-estima evidente a minha frente.
Ele aproveitou dessa nossa fase manipulando ao seu modo –  até por precisar se proteger – toda uma situação, manipulando o pai e a mim e adicionando pitadas de  comportamentos opositivo-desafiadores que nos deixou mais perdidos.

Eu e seu pai nos separamos por nós ficarmos perdidos nessa confusão toda.

Não o culpo pela opção, às vezes tenho a mesma vontade de ir, me sinto só em alguns momentos. Sinto falta de poder trocar sobre o assunto com alguém. Com a negação esse assunto virou algo não muito apreciado para se conversar e exige mudanças tão radicais de hábitos tão enraizados que as vezes cansa tentar, tentar e não acertar!!!
Por que escrevo isso? Talvez para arrumar minhas idéias desses momentos que passaram, mas marcaram fortemente nossas vidas. Dessa trajetória torta que adentramos. Para ter a certeza de que preciso mudar, preciso ser forte para seguir.
Para dizer a todos os pais que fiquem atentos aos seus filhos e que não tenham medo de encarar se essa for sua estrada. Aos professores que observem seus alunos e informem claramente aos pais os caminhos a seguir, aos médicos para não serem omissos ou não apitarem onde não têm conhecimentos. Saiam da ignorância e do preconceito quanto a esse déficit pais, professores, psicólogos e médicos!

Escrevo também para dizer a você meu filho que nosso amor por você, meu e de seu pai é imenso, mas que somos humanos e também pisamos na bola.
Tenha a certeza de que você não tem culpa de nada do que aconteceu, como nenhum de nós tem. Aconteceu é só isso!!! Ignorância e imaturidade.
Agora é seguir em frente cuidando, estando atento, mudando paradigmas, tentando acertar, errando, perdoando, conversando e principalmente não fingindo que isso não existe, porque isso é viver numa alienação que não vai nos fazer feliz.
Encarar, aceitar o que somos e ajustar a química se preciso para fazer do nosso tempo por aqui muito produtivo. Você tem um grande potencial e acredite eu acredito e confio  em você, apenas tenho também cicatrizes que tenho medo que sangrem novamente.

E depois você sabe que essa deficiência é genética e você ainda será pai que deverá estar antenado para saber agir de um modo mais construtivo com seus filhos.
02.06.2011

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